Estrada de Damasco

O percurso e o destino

September 20, 2006

Seguindo o Papa

A Casa de Sarto dá-nos um excelente texto que põe bem em evidência a verdadeira importância do discurso do Papa em Ratisbona.
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S.S. o Papa parece estar definitivamente a realinhar a Igreja, a «virar a proa na direcção da onda». Está a pôr fim a um certo clima de contemporização e relativismo que existiria dentro da própria Igreja; está a fazer por debandar um certo espírito de relaxe de que muitos leigos parecem padecer; tudo isto, investindo numa total afirmação da Fé perante o mundo e invectivando os católicos a assumir (por inteiro!) as duras exigências que ela traz.
Ora, esta nova abordagem está a produzir um resultado a todos os títulos inédito na história da Igreja desde há centenas de anos: pela primeira vez desde a Reforma, a Igreja volta a marcar os acontecimentos em vez de ir atrás dos acontecimentos. Não só a Igreja está a passar a conduzir o diálogo inter-religioso, como está fortalecendo a interpelação cristã ao mundo ocidental.
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Naturalmente, este novo movimento gera um certo mal-estar. Desde logo, entre alguns católicos, que se vêm confrontados com a necessidade de sairem do seu acomodamento para enfrentar um mundo que lhes é hostil.
As demais confissões cristãs são também interpeladas a reflectirem na (em tempos perdida) Unidade da Igreja. E aparentemente com sucesso, como comprova o recente diálogo estabelecido com Igrejas ortodoxas.
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O mundo islâmico acaba por ficar talvez na pior posição: fica a saber que o mundo ocidental não é terra árida de relativismo e indecisão que facilmente se conquistará, mas um mundo onde existe uma forte afirmação de vontade.
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S.S. o Papa afirmou que «nós somos fortes». Mas também pediu que o acompanhássemos, porque sozinho não será capaz. Juntemo-nos a ele.

September 12, 2006

Os «mas»

Têm razão aqueles que dizem que o mais ignóbil nesta discussão - como em quaisquer discussões acerca de vítimas de actos cruéis - é que há sempre um «mas».
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Morreram 3000 pessoas no WTC? «Sim, mas...». E logo se desfiam firmes legitimações para odiar os Estados Unidos - essa entidade... - e as pessoas que lá vivem - um pormenor insignificante. Mas, o quê?
Este raciocínio parte do abjecto pressuposto de tomar as pessoas como um dado estatístico, despindo-as da sua humanidade e individualidade. Nomeadamente, aqueles 3000 mortos não são 3000 tragédias individuais; e pouco importa que aqueles 3000 inocentes nunca tenham contribuído com um fio de cabelo para qualquer problema noutra parte do mundo. Aqueles 3000 são apenas uma lista de baixas - de alguma forma culpados, portanto - de uma engrenagem maquiavélica, que, como se sabe, só pretende o domínio global à conta de vexames impostos aos outros povos. E esse raciocínio é o do móbil do crime cometido pelos terroristas. É por isso que este «mas» de simpatia e compreensão não passa de uma forma de cumplicidade. Atravessar este «mas» em qualquer discussão acerca deste tema é, também e de alguma maneira, assumir os comandos dos aviões que se esmagaram contra a Torre.
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Igualmente vergonhosa é a campanha de ruído em torno da própria autoria dos ataques. A nova moda insane - que, como não podia deixar de ser, mereceu em Portugal tratamento e carinho VIP nos canais televisivos públicos - passa por lançar a dúvida sobre se os ataques não teriam sido afinal cometidos pela própria Administração americana.
Sem dúvida que há algo de psicótico e racista nisto: esta tese é uma curiosa manifestação (diferente, mas igual) do sentimento histórico de inexpugnabilidade dos EUA. Subjaz a ela uma recusa absoluta de que os EUA possam ser atacados, de aceitar que alguém possa vir ao coração dos EUA impôr tanta dor e sofrimento - sobretudo, tratando-se de uns muçulmanos treinados numas grutas. «As Torres foram destruídas? Naturalmente; mas pelos próprios EUA, que são os únicos capazes de o fazer».
Fait divers à parte, devemos recordar que as teorias da conspiração, por mais impressionantes que possam ser (quanto mais arrojada, mais convincente é a teoria da conspiração) se constroem com recurso a métodos de fazer inveja ao próprio Goebbels, com base em meras conjecturas e insinuações e sem qualquer espécie de demonstração empírica. E as teorias da conspiração têm por único objectivo minar a consciência evidente de que o mundo ocidental está sob ameaça - e sob uma ameça brutal e gratuita.
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E é este o resultado do «mas»: o de viver com o sentimento de que merecemos tudo aquilo por que estamos a passar, se porventura não duvidarmos que aquilo por que estamos a passar é efectivamente aquilo por que estamos a passar.

Assombroso

Prof. César das Neves descobre o verdadeiro crime por punir na tragédia do WTC: arrojo arrogante do arquitecto das Torres Gémeas nem sequer foi indiciado!

September 05, 2006

Ficamos à espera

Consta que os acólitos do Bloco de Esquerda - todos os quinze - andam entretidos numa iniciativa retumbante e que é a de marchar pelo País «contra o desemprego». Desde logo, valeria a pena perder uns segundos num exame médico acerca dessa necessidade recorrente dos bloquistas de fazer «marchas», «demonstrações» e outras facécias de rua. Sucede que essa não é matéria do nosso foro e haverá certamente quem se encarregue disso.
Todavia, o Grande Líder do grupo centrou ontem as suas atenções num tema absolutamente inédito e nunca abordado por cá: a globalização. Segundo o próprio, é coisa má. Com a racionalidade e a placidez que o caracterizam e a que já nos habituou, fez baixar o sarrafo sobre os empresários - classe torpe - que beneficiariam «da formação dada aos empregados e paga com fundos comunitários» e, anos depois, se decidem pela deslocalização da empresa para outro país onde não têm tantos custos para obter a mesma produção. Por isso, defende uma espécie de proibição legal do fenómeno. Ficaria assim o Sr. Silva impedido de transferir a produção de penicos de Carrazeda para Timisoara.
Aguardo, agora, que a caravana passe ali pela Auto-Europa, onde poderá defender corajosamente o despedimento dos respectivos funcionários em benefício da reposição da fábrica na Alemanha - que é, afinal, o país onde devem ser construídos os VW.

September 04, 2006

Quem muito se agacha...

Estas desventuras em redor do Sr. Mateus são impagáveis.
Não sei se são inconstitucionais os regulamentos de futebol que impedem de facto um particular de recorrer a tribunais comuns em certas matérias -- embora tenha as minhas suspeitas... Mas nesta história da «supremacia da FIFA», há quem ponha a mão no fogo pela tese da sua inadmissibilidade. Ora, o que é curioso é que algumas dessas almas recomendam, logo a seguir, que o melhor é o pobre Gil Vicente não levantar ondas para não prejudicar a malta. Porque é um clube pequeno de um país pequeno.
Tempos houve em que os vícios não se confundiam com as virtudes. Por exemplo, a tibieza e a prudência.
Pequena gente faz pequeno o país.

Entorpecimento

Vem o confrade Jansenista recordar o estado «feliz mas embrutecido» com que antigamente retornava das suas férias ao norte de Lisboa. Fico contente por não ser o único.
Ainda tenho na memória a dificuldade que sentia em articular uma frase mais conseguida depois de três meses de Ericeira. Mas nada me é mais grato que recordar aqueles tempos em que, já em Julho, me começava a saturar da praia e, então, desviava a atenção para passeios de bicicleta pela Lapa da Serra até Fonte Boa dos Nabos ou para as tardes passadas no parque de St.ª Marta.
Ditosos tempos em que três meses era pouco tempo para explorar todo um mundo por descobrir. Para passar as manhãs nas rochas de S. Sebastião a apanhar mexilhão. Para queimar tardes jogando pingue-pongue no Clube Naval. Para ir ver o pôr-do-sol no Lizandro, brincando pelas dunas. Para gozar as amizades de Verão; fabricadas no momento, despidas de outro interesse se não o de desfrutar inconscientemente aquele período de liberdade.
Saudades, enfim, do tempo em que era o mundo a passar por nós, ao ritmo das estações.

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