Estrada de Damasco

O percurso e o destino

June 28, 2006

A felicidade totalitária

Neste debate público acerca do nefando contributo do futebol para o nosso empobrecimento colectivo - debatem-se coisas engraçadas em Portugal -, fascina-me verdadeiramente esta conversa de que «devíamos era estar preocupados com os problemas graves do País» ou que «devíamos era alegrarmo-nos com outras coisas, por exemplo se tivéssemos um bom sistema educativo, etc».
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Não há nada de pior gosto do que pôr cara comprida na festa dos outros ou lembrar inoportunamente desgraças que abafem a alegria alheia. Mas no meio do bem-bom há sempre alguém pronto ou desejoso de estragar tudo.
É quase doentia esta pulsão tão portuguesa de não nos podermos dar ao luxo de ter alegrias, como se a alegria só fizesse sentido (como se só se merecesse ou fosse moralmente tolerável) se acompanhada de alguma espécie de progresso civilizacional estatístico. É um autêntico cilício emocional que nos colocamos - que nos querem colocar -, como se qualquer alegria, em particular se causada por uma qualquer futilidade, devesse ser imediatamente anulada por um qualquer tortuoso sofrimento ou remorso. Como se fosse um pecado. Não fossemos nós - irra! - ser felizes. Somos pobres; e daí? A alegria não tem de assentar num pilar moral e ser devidamente justificada à sociedade. Por enquanto.
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Desagrada-me em particular o pedantismo deste pretenso moralismo anacorético que se gosta de arvorar - em meios mundanos, diga-se. Como se fosse inadmissível a felicidade ou a alegria advir de algo que não um pensamento elevado, uma conquista civilizacional. Esta gente anda a representar; fazem de conta que se correspondem com o Einstein, quem sabe?
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E depois tudo termina num perigoso ridículo - também é hábito da casa. Devíamos era alegrarmo-nos com conquistas colectivas e, por via de regra, materiais! Já visualizo daqui o cenário: o País (o Povo!) em transe colectivo e em manifestações espontâneas de regozijo com a notícia de que o Sistema Nacional de Saúde passou de 35.º para 28.º no índice dos melhores do mundo!

O Mundial e a quebra de produtividade (II)

Na mesma linha: ontem, a Polícia Municipal rebocou-me o carro da porta de casa às 08h05'. Às oito-e-cinco-da-manhã.
Talvez tenha sido um breve fogacho contra-ciclo.

O Mundial e a quebra de produtividade (I)

Segundo certas notícias (não me perguntem pela fidedignidade), não houve qualquer registo de roubos na Argentina durante o último Argentina-México.
Prova cabal das perdas de produtividade de um país por conta destas coisas da bola.

June 16, 2006

O seu a seu dono

Para aqueles que gostam de chuva em Junho, devia chover o ano todo. Mas só para esses.

Oráculos (que não o de Bellini)

Contam as crónicas que, nas eleições disputadas por Américo Thomaz e Humberto Delgado, certos jornais tinham já preparadas as manchetes vitoriosas do Almirante ainda antes de terminado o período da votação.
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Esta semana, o Correio da Manhã exibia uma manchete com qualquer coisa como «Greve entope avenidas de Lisboa», dando conta do facto ocorrido, devidamente documentada com uma fotografia de uma manifestação que, lá está, entopia uma via de circulação de Lisboa. Ora, deitando os olhos à notícia propriamente dita, informava-nos então o jornal que a dita greve iria realizar-se na tarde desse dia e que, possivelmente, congregaria muitos manifestantes. A fotografia documentava, afinal, uma manifestação que ocorreu em tempos.

June 06, 2006

Pé na bola

Eu sei que esta treta do campeonato do mundo de futebol é um sedativo que as massas (portuguesas) ingerem até atingir um torpor idiótico. É um facto.
Mas vale bem a pena, quanto mais não seja pela reacção alérgica que muita gente gosta de afectar, cerrando os punhos de indignação e cuspindo fel «pela bestialização do país». É de rolar a rir.