Estrada de Damasco

O percurso e o destino

October 29, 2007

Xaria, para que te quero?

Causou alguma impressão no espírito do Exactor o espectáculo da Xaria em funcionamento. Compreendo que coloque legítimas interrogações ao nosso sistema judicial; mas, convenhamos, acho que ninguém se sente pronto a trocar o nosso sistema pelo da Xaria.
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Em primeiro lugar, a Xaria não é costume. A Xaria é direito positivo. Nem a podemos comparar a um Código Civil, dado que o Código de Seabra (e depois o de '966) recolheu, na sua maioria, as normas jurídicas então consuetudinariamente em vigor. A Xaria foi composta de raiz nas madrassas de Damasco, Meca e Medina.
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Em segundo lugar, o que verdadeiramente impressiona nesses tribunais é a sua prontidão na resolução de litígios. E percebe-se o porquê: não há direito processual. Não há prazos processuais, o ónus da prova não é regra assente, os recursos são um instrumento excepcional e a igualdade de armas é uma anedota. Assim é fácil produzir uma decisão. «Há um problema? Isto resolve-se já aqui!»
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O detalhe é que o direito processual não é um detalhe. O direito processual é o que permite que os tribunais produzam não só decisões, mas que essas decisões correspondam à produção de Justiça. Para não ir mais longe, basta referir que uma das conquistas civilizacionais do constitucionalismo norte-americano se traduz no due process of law. Ou seja, mais do que julgar de acordo com a norma x ou y, interessa garantir que os cidadãos sejam julgados através de um processo linear, racional e equitativo.
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Dito isto, compreendo e aceito as inegáveis vantagens que os tribunais arbitrais oferecem - ainda que não entenda bem o que se quer dizer com «tribunais menores». Mas mesmo nesse quadro, os particulares actuam dentro do monopólio público da administração da Justiça. Ou acha que não deve ser assim?