Estrada de Damasco

O percurso e o destino

April 10, 2007

Só uma destas é que me trazia de novo aqui

O ilustre Exactor teve uma arrancada irónica que só lhe fica mal. Não sei com que ideia, passou-lhe pelo bestunto lançar com displicente ligeireza a negra mancha da cobardia sobre um conjunto de portugueses que, por estarem mortos e enterrados, aconselharia o pudor e a decência um pouco mais de tento da escrita - e no pensar. Até porque, - bem vê, caro Exactor - fica difícil a um morto defender a sua honra.
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O Exactor começa por colocar a fleuma inglesa como única explicação do avanço português na Flandres (a ancestral técnica militar do pontapé-no-rabo). O português não avança? Diz que não come há 3 dias? Mate um ou dois deles e veja lá se não avança logo... Talvez isto devesse levar era à conclusão de que os oficiais ingleses eram brutais e que tratavam com absoluto desprezo os seus aliados (já para não mencionar os próprios soldados); e talvez isto devesse causar alguma repulsa no Exactor - a repulsa de ver os seus compatriotas executados às mãos e segundo a justiça (?) de uma potência estrangeira, com total irrevelância pelas autoridades e Direito portuguêses. Mas não, o Exactor pelos vistos acha justificada essa parte e que, sim senhor, o problema é que o CEP é que se negava torpemente a marchar para a morte no schrapnell alemão. Uma cobardia. Fica ao seu critério.
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Depois, considera ser a missão do oficial «a de obrigar os soldados a avançar sem medo». Oh!, meu caro, «obrigar» os soldados «a não ter medo»? Compreendo que se obrigue a avançar, agora que se obrigue a não ter medo? Só pode ser humor - e do melhor! Mas deixe ver se o percebo: então acha sinceramente que a missão do oficial é atirar cegamente o mancebo para a carnificina certa que o espera - e de cara alegre!!?? Não aprendeu nada com a Primeira Guerra Mundial? Anda esquecido que um soldado não é carne para canhão, que é um ser humano e que não é destituído de dignidade? Acha mesmo que a função eficiente do soldado é caminhar em passo certeiro, irredutível e bovino para a morte? Meu caro, parece-me que você atascou no séc. XIX. Urge rebocá-lo!
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E, enfim, seria isto que lhe permitiria sumariamente declarar nulo o heroísmo do CEP. Tudo isto seria indício de uma lusa cobardia, dando à expedição portuguesa os contornos de um grupo de cagarolas. Se é isto que pensa, lamento que pense assim; se não é isto que pensa, lamento que seja isto que dá a entender.
A não ser que se perfilhe a desumana lógica salazarista do «heróis ou mártires» - exclusiva de quem nunca verdadeiramente se confrontou com uma tal escolha radical de vida ou morte -, não há razão para não dizer que os soldados portugueses não foram heróis. Coloquemos assim a questão: se pertencêssemos ao CEP, o que teríamos feito? Que coragem teríamos que não tiveram os outros? Que gesto heróico teríamos praticado que não praticaram os outros? Que receios e temores não teríamos tido que não tiveram os outros?
A campanha não foi gloriosa? Decerto. Cobriu de ridículo a Pátria aos olhos dos aliados e do inimigo? Seguramente. Evidenciou o verdadeiro carácter da Primeira República? Sem dúvida. Mas não se questione a generosidade de espírito daqueles que embarcaram para uma terra distante para oferecer o sacrifício máximo da sua vida pela Pátria. Não se questione a coragem daqueles que, abandonados pelo seu Governo, enfrentaram sofrimentos e padecimentos para verter o seu sangue ou cobrirem-se de doenças em terras estrangeiras. E não se questione, sobretudo, o heroísmo de cada um daqueles soldados ao enfrentar tão grande batalha no meio de todas essas batalhas. Nunca foi pelos seus mais modestos filhos que veio a desonra à Pátria.

3 Comments:

Blogger O Exactor said...

Meu caro,
A dita tirada irónica é dirigida aos heróis que cá ficaram e que não foram!
Daí falar no matadouro da 1.ª República.
Folgo em vê-lo por cá!

3:03 PM  
Blogger Jagoz said...

A ver se limpo as teias de aranha da barraca...

3:58 PM  
Blogger Jansenista said...

Bem observado!

12:35 AM  

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