Estrada de Damasco

O percurso e o destino

May 15, 2006

Questões difíceis - Ensaios de resposta

O Jansenista coloca-nos um enunciado interessante: abatendo-se a iminência de morte sobre todos nós e se as soluções de sobrevivência apenas se puderem aplicar a um número limitado de pessoas, como escolher a quem é dada a salvação?
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1) Quanto ao critério de escolha, uma resposta utilitarista diria que as primeiras vacinas deveriam ser administradas a quem tem os conhecimentos e os meios para fabricar mais vacinas. Parece-me uma solução válida e universalizável.
Uma resposta mais humanista e próxima do cristianismo talvez passasse por dar o remancescente das vacinas a quem delas mais necessitar nesse exacto momento - porque só num cenário académico a pandemia ocorre com idêntica incidência em todos os locais e sobre todas as pessoas.
2) Uma segunda questão - que precede logicamente a primeira - trata de saber se o conteúdo do critério é livremente fixável no âmbito de um processo de «votação democrática». Pergunta com rasteira. É o mesmo que perguntar se vivemos num estado democrático se a maioria (que tem mais de 1,70m) votar que só os que têm menos de 1,70m (a minoria) pagam impostos.
Se entendermos a democracia apenas como um sistema político em que as decisões são tomadas pela maioria de votos expressos, então teremos decisões democráticas sempre que ocorrer essa maioria. Nesse caso, o conteúdo da decisão é válido em si mesmo e, por isso, inatacável.
Mas se entendermos que a democracia vai para além dessa dimensão formal - melhor dito: que a democracia é isso e algo mais -, então temos de averiguar se o critério se harmoniza também com o lastro ontológico que a caracteriza.
Pessoalmente, entendo que a democracia é um sistema mais rico e aperfeiçoado do que aquele conceito mais primário e formal e se define por oposição às noções de totalitarismo e de arbítrio. No fundo, trata-se de um sistema político dotado de mecanismos que visam impedir o exercício abusivo de poderes de um grupo sobre outro grupo. A regra da maioria é apenas uma manifestação dessa essência genética que não só não a esgota como pode acontecer conflituar com ela.
Nessa hipótese, então, o critério é despido de legitimidade democrática - e, ergo, impugnável. A democracia não pode ser uma veste para comportamentos de bulying.
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É o que cabe dizer numa primeira resposta sintética.

1 Comments:

Blogger Jansenista said...

Obrigado pelas reflexões. Falta talvez a referência à esperança de vida (com qualidade), embora numa situação de pandemia haja interferência de outros factores (pessoal de saúde, os investigadores de que fala, forças de segurança). Receio que venha a assistir-se a favoritismos generalizados e ao salve-se quem puder.
Quanto à questão democrática, é claro que o «trunfo» dos direitos fundamentais visaria evitar votações futuras em matérias deste teor, embora haja o melindre da votação inicial. Em todo o caso, temo que a fraqueza e a abertura dos regimes democráticos possa conduzir rapidamente a uma grande baralhada pseudo-anárquica por falta de firmeza na aplicação de critérios, de novo o "salve-se quem puder" com os decisores políticos a externalizarem sobre o resto da população, e a população a afundar-se num "colapso de descoordenação".

8:59 AM  

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