Estrada de Damasco

O percurso e o destino

May 25, 2006

Ética de trabalho

Faits divers à parte, o que é verdadeiramente dramático no nosso tecido social é a completa ausência de uma ética de trabalho. Não devemos deter a nossa atenção no facto de essas novas gerações serem ridiculamente ignorantes: mas sim no facto de olharem com espanto e assombro para quem lhes diga que o ser humano deve supostamente desenvolver um esforço para se retirar desse estado; é o facto de nunca lhes terem explicado que há um estádio evolucional posterior à infância.
São raras as pessoas que entendem que fazer as coisas bem - ou fazê-las sempre e cada vez melhor - é um valor moral em si mesmo.
Por um lado e em minoria, há uma falange que aposta no trabalho como um sacrifício que se suporta para atingir um determinado fim. É o salário como troca pela escravidão, que Séneca tanto criticava. Mas note-se bem a subtileza: o trabalho é enaltecido e são desprezadas outras formas de realização pessoal; mas o trabalho é um mero percurso que permite acumular riqueza ou poder. Por isso, quando se auto-elogia o muito que se trabalha, auto-elogia-se na verdade o muito que se conquista. É um estado de espírito vicioso particularmente comum em certos meios.
O episódio abaixo descrito é apenas uma colorida ilustração de um outro estado de espírito - que grassa nos mais variados estratos da nossa sociedade. A nossa juventude parece não saber que, inerente à dignidade da pessoa humana, existe o pressuposto de cada um desenvolver um esforço de crescimento emocional e intelectual e que há algo de aviltante na ignorância exercida por militância ou por inércia. Não haja dúvidas que a nossa sociedade vive num limbo de facilitismo onde impera a lei do menor esforço - lei essa que é cuidadosamente transmitida às novas gerações desde o banco da escola.
Não nos admiremos, pois, quando a sociedade se manifesta com tiques cavernícolas ou quando apelos primários têm tão caloroso acolhimento. Uma sociedade tão infantilizada e preguiçosa não pode legitimamente aspirar a uma condição elevada nem a percorrer um trilho de progresso e civilização. Essas são aspirações que exigem labor e persistência de um povo - conceitos que são ignorados ou, não o sendo, são demasiado fastidiosos para se acolher.

A todo o vapor para o abismo!

Causou grande comoção - decerto apenas entre os mais distraídos - o estudo vindo a público que dá a conhecer a refinada estirpe que compõe o pátrio universo estudantil académico. Os números são estes: um quinto confessa «não ler um livro»; um terço «não admite a facultatividade da praxe»; e a 80% desagrada absolutamente a hipótese de se eliminar a discriminação sexual das práticas académicas. Conclusão: a julgar pelos testemunhos, a maioria do corpo discente das faculdades é uma amálgama de idiotas e ignorantes bestiais. Nada de novo.
Há uma semana foi-me relatado o caso de uma aluna de Direito (2.º ano) que não sabia subtrair 6 de 6. Mas mais impressiva do que a grotesca ignorância foi a militância com que a menina - fazendo beicinho e escoicinhando o chão - insistia em permancecer nesse seu reduto - «porque vim para Direito, não foi para fazer contas».
Ora, tudo isto tem um preço. E sabemos bem qual é.

Recuperar o ritmo

Seguramente que a minha intenção não é deixar este blogue entregue a uma sorte de actualização semanal. Mas é preciso voltar a entrar no ritmo.

May 18, 2006

9 anos

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May 16, 2006

Antes de morrer

Raízes

Há lugares de encanto para onde pende o nosso coração, onde colocamos a âncora da nossa existência e de onde podemos dizer que somos. De onde gostamos de dizer que somos. Geralmente esse ancoradouro é escolhido pela fortuna, pelo acaso: será o local onde nascemos, onde crescemos ou onde vivemos algum momento particularmente marcante que definiu o nosso carácter - são, pois, lugares que não se escolhem; são lugares que acontecem, o que muito contribui para fortalecer a noção da arbitrariedade como força motriz da nossa vida.
Há todavia lugares pelos quais cativamos um gosto e uma certa identificação, seja em resultado de conhecimento empírico seja em resultado de uma projecção sobre um lugar comum. No fundo, são os lugares de onde gostaríamos de dizer que somos.
Um desses lugares que me fascinam é a Itália. Agrada-me aquela incontinência emocional tão latina e a sua torrencialidade espiritual, que se manifestam tão bem na sua língua e na sua música. Agrada-me a sensualidade latente daquele povo, que se vê na sua monumentalidade, na sua mesa, na vivacidade do sol e nas suas mulheres. Encanta-me a riqueza cultural, as idiossincracias de cada lugarejo e a ritualidade social tão própria. Fascina-me o sentido de destino interrompido, de grandiosidade adiada, de extravagância desesperada.
E admiro um certo espírito de irreverência quase-anárquica dos italianos merionais, que recusam trocar a sua identidade por uma ordem produtiva e maquinal - à imagem dos seus irmãos do norte, que no fundo só aspiram a vir a ser alemães.

May 15, 2006

Mar chão

Questões difíceis - Ensaios de resposta

O Jansenista coloca-nos um enunciado interessante: abatendo-se a iminência de morte sobre todos nós e se as soluções de sobrevivência apenas se puderem aplicar a um número limitado de pessoas, como escolher a quem é dada a salvação?
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1) Quanto ao critério de escolha, uma resposta utilitarista diria que as primeiras vacinas deveriam ser administradas a quem tem os conhecimentos e os meios para fabricar mais vacinas. Parece-me uma solução válida e universalizável.
Uma resposta mais humanista e próxima do cristianismo talvez passasse por dar o remancescente das vacinas a quem delas mais necessitar nesse exacto momento - porque só num cenário académico a pandemia ocorre com idêntica incidência em todos os locais e sobre todas as pessoas.
2) Uma segunda questão - que precede logicamente a primeira - trata de saber se o conteúdo do critério é livremente fixável no âmbito de um processo de «votação democrática». Pergunta com rasteira. É o mesmo que perguntar se vivemos num estado democrático se a maioria (que tem mais de 1,70m) votar que só os que têm menos de 1,70m (a minoria) pagam impostos.
Se entendermos a democracia apenas como um sistema político em que as decisões são tomadas pela maioria de votos expressos, então teremos decisões democráticas sempre que ocorrer essa maioria. Nesse caso, o conteúdo da decisão é válido em si mesmo e, por isso, inatacável.
Mas se entendermos que a democracia vai para além dessa dimensão formal - melhor dito: que a democracia é isso e algo mais -, então temos de averiguar se o critério se harmoniza também com o lastro ontológico que a caracteriza.
Pessoalmente, entendo que a democracia é um sistema mais rico e aperfeiçoado do que aquele conceito mais primário e formal e se define por oposição às noções de totalitarismo e de arbítrio. No fundo, trata-se de um sistema político dotado de mecanismos que visam impedir o exercício abusivo de poderes de um grupo sobre outro grupo. A regra da maioria é apenas uma manifestação dessa essência genética que não só não a esgota como pode acontecer conflituar com ela.
Nessa hipótese, então, o critério é despido de legitimidade democrática - e, ergo, impugnável. A democracia não pode ser uma veste para comportamentos de bulying.
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É o que cabe dizer numa primeira resposta sintética.

Circularidade

Na passagem de mais um aniversário do seu nascimento, muita alma evocou saudosamente a passagem do Marquês de Pombal pelo poder. Porque terá sido «o último a meter isto na ordem».
Ou seja: persistimos em não perceber que é o facto de suspirarmos por quem meta isto na ordem que justifica que nos metam na ordem.

May 09, 2006

Só para fazer a vontade ao outro

O insigne Pacheco Pereira enunciou umas originais «leis» de funcionamento deste cosmos - que é a blogosfera -, de entre as quais «a um blogue sucede-se sempre outro blogue». A sua semelhança com as leis da termodinâmica será seguramente uma coincidência. Faço-lhe todavia o gosto.
Agradeço ao Jansenista, enquanto instigador, a inspiração na elaboração de parte do blogue e do nome - e da prometida música que ainda há-de vir.
A «Estrada de Damasco» parece-me adequado, porque o que fazemos na vida é exactamente trilhar caminhos mundanos até que venha a revelação.

May 02, 2006

A caminho

E que Deus me ilumine.